A INVENÇÃO DE HUGO
Hugo
Da lista de nomeados ao Óscar de Melhor Filme deste ano, diria que Hugo é o mais surpreendente de todos. Falamos, obviamente, de um Scorsese, mas sobretudo falamos de um novo Scorsese, apanhado num género filmográfico que pouco se relaciona com o que até agora tem feito — ou será que é assim?
Em boa verdade, poderá dizer-se que Scorsese tem duas correntes de trabalho distintas, em que a menos conhecida/divulgada, essencialmente de carácter documentarista, visa homenagear grandes nomes da cultura mundial: George Harrison foi o mais recente, juntando-se a Fran Lebowitz, Rolling Stones, Giorgio Armani, entre tantos outros. São filmes de grande valor documental, dirigido a pequenas massas, entre nós muito pouco falados e quase sem visibilidade.
Hugo, ou em português A Invenção de Hugo, surge como uma quase mistura das suas duas correntes de trabalho, desta feita homenageando um dos grandes pioneiros do cinema e, consequentemente, o Cinema propriamente dito, enquanto forma artística impulsionadora do sonho e da fantasia. O filme, aliás, tem precisamente esse propósito, o de devolver e proporcionar ao espectador um espectáculo de magia, como o parecia ser nos finais do séc. XIX, mas agora com recurso a novas e melhoradas técnicas (onde o 3D ganha especial destaque). Nesse sentido, quem melhor do que homenagear George Méliès? Trata-se, pois, de um dos primeiros grandes realizadores, pioneiro no que se poderá designar de efeitos especiais. Méliès, nascido e criado em França, começou a carreira artística como ilusionista, tendo inclusivamente alcançado alguma fama nessa área. Viu no cinema uma inesgotável possibilidade de novos truques; embora se diga que tenha sido por acaso, a sua capacidade inventiva permitiu a descoberta de, por exemplo, exposições duplas, fadings (in, out e cross) e stop-motion. Um feito notável que o qualificou como um dos criadores mais vanguardistas do cinema, crítico para futuras grandes obras trazidas à luz por, por exemplo, o megalómano David Griffith (a quem disse que devia "tudo"). Méliès realizou mais de 500 filmes em menos de 20 anos, evidentemente histórias de curta duração dado o propósito a que se destinavam; eram, no fundo, novos truques de ilusionismo proporcionados pela nova invenção dos irmãos Lumière. Restam-nos, hoje, uns escassos 80 filmes da sua obra, dos quais devo ter visto apenas uns 20.
Este é o grande propósito de Hugo, mesclado numa história quase infantil, baseada no livro homónimo de Brian Selznick. Com efeito, e não querendo desvendar o muito que o filme oferece ao espectador, estamos perante um trabalho que demonstra um incontornável domínio sobre tudo o que se está a fazer: a começar por um argumento brilhantemente estruturado e a terminar numa realização inteligente que, acima de tudo, consegue cruzar Forma e Conteúdo como há muito não havia sido feito.
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