sexta-feira, 4 de setembro de 2009

CINEMA: Sacanas Sem Lei - Inglorious Basterds

Não vai há muito tempo quando torci o nariz ao saber que Quentin Tarantino preparava um novo filme, dizia-se sobre a II Guerra Mundial, apenas porque não é um tema que facilmente associemos à estética do realizador. Mas nunca melhor do que esperar para ver o resultado final - julgar as coisas pela sua aparência, um livro pela capa ou, neste caso, um filme pelo cartaz nunca dá bom resultado. A prova disso chegou às nossas salas, um grupo de Sacanas Sem Lei cujo único objectivo é limpar o mundo de tudo quanto for nazi.
Mas, para que justamente se fale aqui de Inglorious Basterds/Sacanas Sem Lei o melhor é mesmo começar pelo inicio. E o inicio dá-se em 1978 com o filme Italiano Quel Maledetto Treno Blindato de Enzo G. Castellari que recebeu a tradução em Inglês The Inglorious Bastards - note-se que Tarantino prefere escrever Basterds, com "e" e não com "a" como ortograficamente estaria correcto. Haverá, apesar de tudo, muito pouco a referir neste ponto porque uma coisa pouco ou nada tem a ver com a outra. Desenganem-se pelo título, pela II Guerra como pano de fundo e pelo grupo de Americanos destemidos comum nos dois filmes. Não há intenção alguma de refazer o filme Italiano numa versão Americana, mas também não poderei dizer que o Basterds de Tarantino não poderá ter tido origem no Bastards de Castellari - apenas uma ligeira e saudável inspiração. Quel Maledetto Treno Blindato acontece em França, no ano de 1944, quando um grupo de soldados Americanos, uns sacanas fora de lei presos por mau comportamento, escapa do acampamento por causa de um ataque aéreo Alemão. Dirigem-se para a Suiça para salvarem a própria pele, mas pelo meio são interceptados e voluntariam-se para uma missão digna de heróis - infiltrar num comboio cheio de comandantes nazis e roubar uma maquineta qualquer ponta de gama. Posto isto, as dúvidas ficam mais do que esclarecidas: qualquer semelhança é pura coincidência. Será algo desse género. Castelleri tem os Bastards e Tarantino tem os Basterds.


Ao que me tenho apercebido, Sacanas Sem Lei tem sido seriamente criticado pela promoção do filme. Fala-se em promover o filme que não é e isto fica bem presente nos cartazes promocionais. A ideia não me deixa desconcertado, mas dou o braço a torcer quanto às críticas e à promoção do filme. Quem está a par da obra de Tarantino sabe que não pode contar com o óbvio. E isso basta. Sacanas Sem Lei não é um filme de Guerra. Muito menos terá influências em Apocalypse Now (Francis Ford Coppola, 1979) ou em Full Metal Jacket/Nascido Para Matar (Stanley Kubrick, 1987) - quem não associa e compara facilmente o diálogo de Brad Pitt que se ouvia (e via) no trailer com o diálogo do Sargento Hartman do filme de Kubrick?
Sacanas Sem Lei - e digo isto com muita satisfação porque adoro! - tem influências claras em Sergio Leone. É um típico Spaghetti Western de Leone onde os cowboys são substituídos por soldados. Desde o primeiro instante que somos levados a tirar essa conclusão. O genérico, tanto o inicial como o final, e muito particularmente a Banda Sonora que os acompanha são bons indícios disso. Da mesma forma, acho curiosa a utilização de diferentes cores e fonts - tipos de letra - em diferentes fases do genérico - se não estou em erro, existem tipos de letra de outros filmes de Taratino, especialmente a de Pulp Fiction (1994) que me chamou à atenção. Além disso, há uma fabulosa cena inicial - o Capítulo I - que denuncia a vertente Western dos Sacanas. Repare-se que o filme começa com as palavras "Once Upon A Time..." (e depois complementadas com "in Nazi Occupied France"), precisamente as palavras que Sergio Leone utilizou para intitular o magnífico clássico Once Upon A Time In The West/Aconteceu no Oeste (1968) e, uma outra sua obra-prima - e um dos meus favoritos - Once Upon A Time In America/Era Uma Vez na América (1984). Além disso, o filme abre com uma cena que em muito remete para o inicio de Il Buono, il Brutto, il Cattivo/O Bom, o Mau e o Vilão (1966), também de Sergio Leone: um forasteiro - um coronel alemão - chega inesperadamente a uma região calma e desértica onde vive uma família, pede para falar a sós com chefe da família, o ambiente pesado, extremamente ponderado, os diálogos pausados e cada linha é proferida com desprezo e intimidação. A acompanhar as primeiras imagens do filme ficaram também as primeiras notas de Für Elise (de Beethoven) numa versão excelentemente westernizada.

E assim começamos, no ano de 1941, numa França ocupada pelas tropas nazis. Na pequena e desértica aldeia um produtor de leite é ameaçado pelo Coronel Hans Landa (interpretado por Christoph Waltz - vencedor em Cannes do Prémio de Melhor Actor neste papel) para denunciar o paradeiro de uma famíla Judia desaparecida daquele local. Mas o Coronel sabe-a bem, apelidado entre os seus de "Caçador de Judeus", um verdadeiro sacana nazi, dir-se-à, não há um que lhe escape, excepto a jovem e bela Shosanna Dreyfus (igualmente bem interpretado por Mélanie Laurent). Daqui somos levados para 1944, onde nos são introduzidos os verdadeiros Sacanas Sem Lei, liderados pelo Tenente Aldo Raine (Brad Pitt num dos melhores papéis que tem feito ultimamente), um grupo de Americanos sedentos por sangue nazi, espalham o medo por todo o território, recolhendo selvaticamente os escalpes dos soldados e oficiais alemães - não se fazem prisioneiros!
Três anos tinham passado e Shosanna reaparece em Paris, dona de um Cinema deixado pelos tios com sessões dedicadas ao cinema alemão da II Guerra Mundial. É interceptada por um jovem soldado, Fredrik Zoller (interpretado por um dos melhores jovens actores da actualidade, Daniel Brühl), cinéfilo e aficionado pelo cinema de G. W. Pabst que procura quase desesperadamente por um diálogo com a jovem e misteriosa rapariga. E então entramos numa história com duas vertentes cujo fim é o mesmo: eliminar nazis. Por um lado, os Sacanas trabalham afincadamente para levar à letra as palavras do Tenente Aldo e tecem uma emboscada para acabar com os oficiais de Hitler. Por outro lado, Shosanna, sob disfarce, e tendo em vista uma estreia Alemã do novo filme de Joseph Goebbels sobre o feito histórico de Fredrik Zoller - interpretado pelo próprio - de matar centenas de Judeus em escassos dois dias, procura um plano de vingança regozijando-se pela presença de tantos oficiais Alemães, incluindo o próprio Führer, numa sala que lhe pertence. E mais não digo porque o que conta é cada um dos bons momentos com que somos presenteados!
Fique-se ainda a saber que a estética a que Tarantino nos habituou continua marcada nesta sua grande obra, como de resto era bastante previsível. Fala-se dos planos apertados iguais aos de Sergio Leone - exímia fotografia de Robert Richardson -, da violência quase gratuita, do argumento ponderadíssimo repleto de frases chave e a Banda Sonora escolhida a dedo, muito ao estilo de Kill Bill (2003/2004), mas sempre com o gostozinho a Western Italiano. Se vale a pena? Claro que vale a pena, claro que é bom! É um Tarantino e um Tarantino nunca nos desilude.


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