Seria estranho querer fazer um apanhado geral sobre os filmes que vi e que estão em competição aos Oscars 2010 sem referenciar Avatar, o filme que quase ninguém conhece e que quase ninguém viu.
Pois bem, a começar, e porque é preciso dar o braço a torcer, há que congratular o James Cameron por ter conseguido o que nenhum outro realizador, no mundo, conseguiu até agora: bater o recorde mundial de bilheteiras, anteriormente alcançado por si próprio! Disto podemos ter a certeza, se não for por outro motivo, Avatar já consegui marcar a história do Cinema. Claro que, segundo estudos recentemente feitos, devido à inflação, a posição de Avatar é lá para o número 30, já que o primeiro lugar continua a ser da incontornável obra-prima de Victor Flemming, E Tudo o Vento Levou (Gone with the wind) que, já em 1939 - ano de estreia - superou os 200 milhões de dólares. Mas, ainda assim, já lá dizia Camões que "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" e fazer um filme com o sucesso de Avatar é, hoje em dia, quase impossível - lembremo-nos que, com a mudança dos tempos, surgiu a pirataria, o dvd, o blu-ray, a crise... .
Mas, quanto ao filme que aqui está em causa, aproveito também para fazer uma pequena referência ao que por aí tenho lido e ouvido acerca do argumento que, dizem, é fraco e com falta de originalidade. Pois bem, parece-me a mim que, ou as pessoas dizem aquilo que realmente sabem ou que o digam só se realmente tiverem alguma coisa de útil para dizer; caso contrário, mais vale não dizer nada. O certo é que se fazem por aí imensas analogias com o Pocahontas e que o filme não passa de uma cópia e não-sei-que-mais e blá-blá-blá. Para ser mais concreto, o filme ultrapassa tudo isso. Aliás, a meu ver, o filme acaba mesmo por ter mais semelhanças com o Danças Com Lobos (Dances With Wolves) - 1990, realizado por Kevin Costner -, já que falamos em argumentos, do que com o Pocahontas, embora as semelhanças sejam evidentes, não descuro a hipótese. Contudo, talvez esses críticos não saibam que o Danças com Lobos ganhou, nesse ano, o Oscar de melhor argumento (entre muitos outros, incluindo de melhor filme e de melhor realizador) e agora vêm dizer que o argumento do Avatar é fraco. Essa não vai comigo. Avatar é um excelente filme, bem construído, bem pensado e muito bem concebido.
Há ainda um outro ponto que não posso deixar de referir e que se prende com esta aptidão, quase talento, mostrada por James Cameron em querer e em tentar fazer de tudo para desenvolver novas técnicas e tecnologias do processo criativo, sempre aliadas à concepção do cinema enquanto arte, constituindo, por isso mesmo, um excelente exemplo da perfeita conjugação da arte e da indústria. Na verdade, se não fosse a sua insistência nesta tridimensionalidade, ainda hoje teríamos filmes em 3D feitos com câmaras fixas e do tamanho de uma máquina de lavar roupa - sim, li de fonte segura - em vez desta portabilidade que Cameron lhes conferiu. Aliás, já quando concebia o Titanic, Cameron foi responsável por ter desenvolvido uma nova câmara de vídeo (da Panasonic) capaz de suportar a pressão da água nas profundezas do Oceano, embora essa câmara, creio que em película de 16 mm, só conseguisse gravar 11 ou 12 minutos de cada vez; depois era preciso mudar a bobine, coisa que, debaixo de água e àquela pressão, seria complicado. Por isso mesmo, esta é mais uma razão da importância de Avatar no contexto da história do cinema e também o porquê de ser importante ver o filme e saber o que o futuro poderá trazer - uma vez mais, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" e, como tal, não podemos, obviamente, estar à espera que o Cinema, enquanto arte, em toda a sua forma e conteúdo influenciado pelo tempo em que se insere, não altere essa forma com a mudança dos tempos.
Mas, como referi umas linhas atrás, Avatar é muito mais do que tudo isto e ultrapassa qualquer analogia, seja qual for o filme. Penso que, pela primeira vez, assisti a um filme onde o conceito da tridimensionalidade fazia todo o sentido; repare-se que a imagem em 3D já não deve ser usada para puro entretenimento do público, as exigências devem ser outras, porque as experiências nesse campo já foram suficientes. E Avatar consegue isso muito bem - aliás, não foi por acaso que James Cameron esperou 10 anos para o poder filmar, trazendo esta nova tecnologia da imagem em 3D como nunca foi vista. Efectivamente, só com esta tecnologia foi possível entender a beleza de Pandora, só assim foi possível captar a nossa atenção, manipulando-nos a querer, de alguma forma, saltar para esse mundo tão belo e tão musical. E, por breves momentos, leva-nos mesmo até esse mundo, ainda que digitalmente e com uns óculos desconfortáveis, e proporciona-nos uma experência notável em primeira pessoa.
Em último ponto, e porque o filme é exemplar em cinematografia, direcção artística, realização, edição e outros tais, não sendo por isso tão importante referir o que já se sabe, é preciso ter em muita atenção a banda sonora, uma vez mais, dirigida por James Horner, que já havia sido o autor da banda sonora de Titanic. Confesso que, assim que vi o filme, este tinha sido o único aspecto negativo que conseguia apreender. Contudo, e por curiosidade, optei por ouvir a banda sonora desprovida da imagem - algo que eu já referi algures por aqui, creio, acerca das capacidades de percepção do filme pela sua música. Com efeito, a experência levou-me a crer que a banda sonora, durante o filme, é totalmente consumida pela imagem e revela-se mesmo impotente embora, por vezes, consiga desempenhar o seu papel. Ao ouvir a música de Avatar, mudei completamente a minha opinião: a banda sonora é quase tão boa como o filme! Digamos, de passagem, que mesmo a banda sonora do Titanic, quer se goste ou não da Celine Dion, tem bastante qualidade e fiquei muito supreendido - coisa que, durante o filme, não consegui perceber - quando dei conta das imensas influências, por vezes a mesma conjugação de notas, em relação à do Titanic, ou o autor não seria o mesmo, está claro. Ainda assim, era um pormenor que não podia deixar passar e que me surpreendeu bastante, embora a suposta canção Love Theme - interpretada por Leona Lewis e feita, evidentemente, para ter o mesmo sucesso que a Celine Dion com a My Heart Will Go On - tenha caído, completamente, por terra.
Para finalizar, parece-me que Avatar vai ser mesmo o grande vencedor da noite. Melhor filme, Direcção artística, Cinematografia, Realização, Edição de Som, Mistura de Som e Efeitos Visuais podem, desde já, ser dados como certos.