domingo, 11 de julho de 2010

THE SOPRANOS: Made In America


A magnificiência técnica a favor da arte?

Este texto cinge-se a uma interpretação pessoal e contém spoilers.

O último episódio de The Sopranos é o perfeito exemplo de como a técnica, quando exímia e pensada, pode traduzir-se na mais bela forma artística de contar histórias. Na verdade, só um autor capaz do pleno controlo da sua obra, aliado a um bom trabalho de montagem, conseguirá um feito com esta complexidade e dimensão, o que é quase raro em televisão, embora não totalmente em séries produzidas pela HBO.
O episódio foi largamente criticado em todo o mundo, aquando da sua exibição, tanto pelas melhores, como pelas piores razões, particularmente pela última cena que, apesar de explícita, não tem um entendimento tão fácil e directo como seria esperado, acabando mesmo por ser muito incompreendida (e mal recebida) pelo público em geral. Nela, e para quem está recordado, somos presenteados com um conjunto de planos, usualmente designados por POV (de Point of View) que mostram não mais do que o espaço ou a situação através do olhar (visão) de um determinado personagem. O conceito é conseguido ao intercalar o plano POV entre dois planos (usualmente apertados, o close up) que indicam a reacção do personagem, antes e depois, perante o que vê.


A cena constrói-se nessa perspectiva, essencialmente segundo o que Tony vê e (pres)sente. Introduz-nos ao local - um bar de esquina -, assimilando-o pormenorizadamente; tomamos conhecimento do lugar onde Tony se senta - mesmo em frente à porta de entrada e lateralmente posicionado em relação à casa de banho -, onde o conceito de espaço e de tempo torna-se fundamental, imprescindível até. Só estando atento à forma como o espaço nos é oferecido é que compreendemos as restantes sucessões de planos POV: de facto, não haveria lugar onde Tony ficasse mais desprotegido do que aquele, adjacente aos lavabos, onde é dada a devida ênfase assim que um certo indivíduo de ar suspeito lá entra; além disso, ali mesmo em frente à entrada, estrategicamente posicionado e para receber a família prestes a chegar. O tilintar do sino da porta anuncia a chegada, dando início a cada um dos planos POV. Repare-se no erguer do olhar, seguido do plano com o exacto ponto de vista do personagem, terminando com um novo plano apertado mostrando a sua reacção. Os planos POV assim se vão repetindo, restando apenas Meadow, a filha, que, embora atrasada, marca o momento essencial da cena: vê-mo-la a chegar, Tony ergue o olhar no momento em que disso se apercebe, mas no exacto e preciso segundo em que deveria ser intercalado o plano POV com o ponto de visão de Tony Soprano, surge-nos...

Não vemos.
Não ouvimos.
Mas sentimos, tal como Tony, porque, afinal de contas, este é o seu ponto de vista.
A total escuridão... da morte.

Eis a cena:

2 comentários:

João Ruivo disse...

Quando vi a série, por diversos motivos que agora não vêm ao caso, sempre pensei que o único final possível fosse a morte de Tony.
Penso que seria o final lógico e até natural sendo que de certa forma me espantou que todos os membros da sua família mais chegada tivessem chegado ao fim da série vivos e de boa saúde apesar de quase todos os amigos daquele 'círculo mais fechado' terem morrido.

Curiosamente a minha interpretação do final não foi essa. Não vou dizer que adorei os últimos momentos dos Sopranos, tenho sentimentos mistos relativamente a eles mas a mestria com que foi concretizado é inegável mesmo para mim que certamente não tenho a mesma sensibilidade do que tu tens para alguns aspectos mais técnicos.

O que eu senti nessa cena do café foi a grande insegurança de Tony. O estilo de vida dele não lhe permite estabilidade e a família é da responsabilidade dele. Para mim, o que o final indiciou é que, mesmo numa situação tão banal quanto esta - sentar-se para uma refeição com a família - Tony nunca se vai conseguir descontrair apesar de disfarçar e por uma musiquinha do seu agrado como quem diz 'estou numa boa'. Nada no restaurante foi suspeito, mas aos olhos de Tony todos os movimentos lhe pareciam suspeitos.

Será sempre essa a sua sina - arcar com a segurança da sua família sabendo que os coloca constantemente em perigo.

Penso que a grande temática de toda a série foi a família (seja a família da máfia ou a família de sangue ou até a forma como uma se pode sobrepor a outra) e este pareceu-me um 'final aberto' como quem diz que a vida vai continuar e toda a insegurança vai ficando cada vez mais insuportável - toda a cena do restaurante é extremamente enervante, eu estava sempre à espera que acontecesse alguma coisa que nunca acontece.

Quanto ao corte brusco... confesso que não lhe sei dar grande explicação. Posso tentar inventar assim uma meio à pressão do tipo que assim que o Tony viu a família reunida não importava mostrar mais nada e que, como disse acima, a vida continuaria como sempre.

Neste aspecto final a forma como tu viste o final faz mais sentido e apesar de não ter visto grandes indícios para a morte de Tony, a morte é mesmo assim imprevisível. A resposta definitiva, só os responsáveis pela série saberão mas é esta diversidade de interpretações e possibilidade de discussão que fazem de qualquer obra uma obra-prima.

Unknown disse...

Essa é uma possibilidade perfeitamente plausível. Desde a primeira cena do primeiro episódio que somos confrontados com os problemas psicológicos do Tony que, descobrimos depois, são como que hereditários e já há muito existem na família [biológica] (e continuarão a existir pelo que se viu do AJ). No fundo, a velha máxima do "don't blame me, blame my genes!".
Mas o último episódio tem muitos segredos a desvendar... Há vários indícios que apontam para a sua morte, embora sempre afectos à subjectividade. Acho que o mais evidente está logo nos primeiros segundos, num plano do Tony: deitado na cama, tal como se estivesse dentro de um caixão (e a posição da câmara evidencia muito isso!).

Finais em aberto são muito frequentes, mas acho que qualquer autor gosta da impregnar os últimos segundos com preciosismos quase imperceptíveis do que realmente aconteceu e, parece-me, Os Sopranos não fugiram à regra...