Estreia a 23 de Abril em todo o País, mas a ante-estreia foi a 17, em Vila Nova de Famalicão, no Centro de Estudos Camilianos, uma casa de cultura em apoio à casa de Camilo Castelo Branco, autor da obra "Amor de Perdição" que deu origem a (mais) esta adaptação. Tive então a oportunidade de assistir a esta ante-estreia, de um dos filmes portugueses mais aguardados dos últimos tempos, numa iniciativa interessante e que, no fundo, era inevitável de acontecer, dadas as circunstâncias: além de ser um filme baseado numa obra de Camilo, que viveu (e escreveu) grande parte da sua vida em Famalicão, também Mário Barroso, a título de exemplo, realizador deste filme, filmou com Manoel de Oliveira, há uns 20 anos atrás, naquela mesma casa de Camilo, o filme "O Dia do Desespero", um retrato alusivo aos últimos dias da vida de um dos maiores escritores Portugueses.
Esta obra de Camilo, "Amor de Perdição", parece-me ser a que mais adaptações teve ao longo dos anos; não foram muitas, mas em relação a outros livros por ele escritos, esta parece-me ser a sua obra que mais impacto teve (e tem) à medida que o tempo avança. Foi escrita em 1861 e teve a sua primeira adaptação em 1907 para uma Ópera de João Arroyo que estreou no Real Theatro de S. Carlos, em Lisboa. A primeira adaptação para cinema foi no Brasil, em 1914, do realizador Francisco Santos e, a partir daí, seguiram-se algumas outras, culminando nas versões portuguesas mais recentes de António Lopes Ribeiro (1943) e de Manoel de Oliveira (1979). Ainda mais recentemente, a Casa das Artes teve a iniciativa de repor, 100 anos depois, a Ópera de João Arroyo, numa versão contemporânea e fazendo uso de diversos meios digitais que se enquadraram na perfeição apesar da conotação épica da Ópera e da obra literária. Estreou em 2008, igualmente em Famalicão, a reposição que agora é dirigida por António Salgado e que eu tive também a oportunidade de assistir.
Esta obra de Camilo, "Amor de Perdição", parece-me ser a que mais adaptações teve ao longo dos anos; não foram muitas, mas em relação a outros livros por ele escritos, esta parece-me ser a sua obra que mais impacto teve (e tem) à medida que o tempo avança. Foi escrita em 1861 e teve a sua primeira adaptação em 1907 para uma Ópera de João Arroyo que estreou no Real Theatro de S. Carlos, em Lisboa. A primeira adaptação para cinema foi no Brasil, em 1914, do realizador Francisco Santos e, a partir daí, seguiram-se algumas outras, culminando nas versões portuguesas mais recentes de António Lopes Ribeiro (1943) e de Manoel de Oliveira (1979). Ainda mais recentemente, a Casa das Artes teve a iniciativa de repor, 100 anos depois, a Ópera de João Arroyo, numa versão contemporânea e fazendo uso de diversos meios digitais que se enquadraram na perfeição apesar da conotação épica da Ópera e da obra literária. Estreou em 2008, igualmente em Famalicão, a reposição que agora é dirigida por António Salgado e que eu tive também a oportunidade de assistir.
"Um Amor de Perdição" não é O "Amor de Perdição". É "um" amor, não sendo necessariamente aquele que Camilo pensou, mas é, acima de tudo, "um" amor de perdição com influências na obra de Camilo que aqui nos aparece transposto para a actualidade. Ultimamente tem havido uma séria corrente de filmes que procuram essa transposição a partir de inúmeras obras clássicas. Fundamentalmente, estas adaptações à realidade do presente acabam por acentuar a séria perenidade das obras literárias em que se baseiam, sejam elas do Eça de Queirós (apesar de ser penoso assistir ao "Crime do Padre Amaro", do Carlos Coelho da Silva), sejam do próprio Camilo Castelo Branco, de Shakespeare (pelo excelente "Romeu+Julieta", de Baz Lhurman (1996) ou pela recente adaptação de "Hamlet", de Michael Almereyda (2000), apesar de ter sido uma versão pouco feliz e escassamente conseguida) ou de outro autor qualquer.
Este parece ser o mote do filme que se descola com alguma facilidade da rigidez da escrita clássica, mas que mantém uma óbvia e intrínseca ligação com o passado, através de uma história de amor que se afigura ainda mais platónica do que o próprio Camilo a pensou. Nesta apresentação, dizia Catarina Wallenstein que, no filme, a Teresa é mostrada como um "fantasma", levando o amor entre ela e Simão ao limite da impossibilidade. De facto, isto é inteiramente verdade, vendo um amor a ser construído sem contacto físico, onde praticamente não existem planos ou cenas com a Teresa, apenas meras imagens do seu rosto reflectidos em vidros e espelhos ou, quanto muito, planos perfilados a sugerirem a fugacidade do momento. Este é um dos pontos fortes do filme que, não procurando uma resposta na obra deixada por Camilo, tenta criar ou recriar uma situação actual à luz (e não sob a sombra) do "Amor de Perdição" de Camilo. E assim, é particularmente interessante este acrescento mínimo ao título da obra que, não sendo condicionante, é já um motivo para o especial distanciamento que encontramos entre o livro e o filme: "Um Amor de Perdição".
Falando um pouco sobre esta transposição, e também não querendo explorar demasiadamente aquilo que pode ser do interesse de quem queira assistir ao filme, acho curioso que se tenha procurado mudar atitudes e demais defeitos e feitios que reconhecíamos nestas personagens Camilianas. Creio, no entanto, que isso teria de ser feito, mas não esperava esta radicalidade que quase transformou por completo algumas das personagens. Em primeiro lugar, Tomás Alves interpreta um excelente Simão Botelho, violento, conflituoso, sem olhar a meios para atingir os fins que pretende. Tem uma relação demasiadamente intimista com a sua irmã Rita Botelho (Patrícia Franco), de 13 ou 14 anos de idade, que o vai influenciar na leitura de um certo livro escolar chamado "Amor de Perdição"... Uma influência interessante que acaba por gerar uma história dentro da mesma história. Rita Botelho é um dos pontos fulcrais desta transposição: o filme e toda a história Camiliana é vista sob o seu ponto de vista, narrada num futuro próximo por ela, na voz de uma das melhores actrizes Portuguesas do momento, a Beatriz Batarda. Anda de olho no Zé Xavier (Willion Brandão é uma feliz surpresa deste filme), um rapaz da sua idade que trabalha para a família Botelho quase como um escravo, fiel servidor das mordomias de Domingos Botelho (Rui Morrison). Rita é uma agarrada à câmara de filmar, com a qual grava um jogo de basquetball onde Teresa Albuquerque joga numa das equipas, através do qual Simão vai ficar a conhecer a mulher que ama, usando Rita (e mais tarde Mariana da Cruz) para contactar com Teresa. Manuel Botelho (Rafael Morais), homossexual, sempre em rixa com o irmão Simão, tem uma relação extremamente afectuosa com a mãe Preciosa (Ana Padrão) que, por sua vez, anda em crise familiar com o marido. Simão e Teresa falam-se por telemóvel e assim constroem um amor proibido, fruto de uma guerra de longa data entre as famílias Albuquerque e Botelho. Refugia-se em casa de João da Cruz (Virgílio Castelo), mecânico de profissão, amigo do pai de Simão, ex-combatente na guerra de Angola, sofrendo agora noites de insónias pelas marcas dessa violência. Aqui conhece Mariana da Cruz (a sempre excelente Catarina Wallenstein), filha de João da Cruz, também mecânica de profissão, ajudante do seu pai. Mariana ama Simão e não esconde os seus sentimentos. Com Teresa no hospital psiquiátrico, será Mariana a estabelecer o contacto por recados, entre Teresa e Simão, ainda que sofrendo de morte, pela calada.
Tecnicamente, o filme tem algumas falhas e alguns planos que me pareceram sem sentido. Os actores são bons, foram bem dirigidos, mas noto alguma despreocupação técnica em alguns momentos do filme. O argumento, de Carlos Saboga, é muito bom pelas razões que já aqui apontei; é diferente e é reinventado, razões de extrema importância quando se pretende fazer uma transposição desta medida. A fotografia, igualmente de Mário Barroso, não é má, mas podia ser bem melhor e temo que esse será um dos motivos das falhas técnicas. Até porque, sendo Mário Barroso um exímio cinematógrafo Português, tendo trabalhado como director de fotografia nos filmes de João César Monteiro e de Manoel de Oliveira, não escondo que tinha um grau de exigência elevado. A música, de Bernardo Sasseti, é indiscutívelmente boa, como em todas as suas bandas sonoras, ponderadas, nota a nota, para a cena em que se enquadra. Uma feliz escolha, claro, que não passa despercebida. No geral, o filme compensa esta última fase de "Second Life's" no Cinema Português. Ao contrário desses filmes que gozam com o público Português, este "Um Amor de Perdição" é bem capaz de conduzir a algumas leituras Camilianas nos mais novos e nos mais velhos. O filme tem dinâmica, uma história desta complexidade contada em 80 minutos tem tudo a acontecer ao mesmo tempo (a Ópera tem quase 3 horas e a história é a mesma). É uma adaptação muito interessante, como facilmente dá para perceber, e, quer se conheça ou não O "Amor de Perdição" do Camilo Castelo Branco, vale bem a pena assistir a "Um Amor de Perdição" do Mário Barroso, quanto mais não seja para se ficar a conhecer do bom que se fez (e se faz) em Portugal.Este parece ser o mote do filme que se descola com alguma facilidade da rigidez da escrita clássica, mas que mantém uma óbvia e intrínseca ligação com o passado, através de uma história de amor que se afigura ainda mais platónica do que o próprio Camilo a pensou. Nesta apresentação, dizia Catarina Wallenstein que, no filme, a Teresa é mostrada como um "fantasma", levando o amor entre ela e Simão ao limite da impossibilidade. De facto, isto é inteiramente verdade, vendo um amor a ser construído sem contacto físico, onde praticamente não existem planos ou cenas com a Teresa, apenas meras imagens do seu rosto reflectidos em vidros e espelhos ou, quanto muito, planos perfilados a sugerirem a fugacidade do momento. Este é um dos pontos fortes do filme que, não procurando uma resposta na obra deixada por Camilo, tenta criar ou recriar uma situação actual à luz (e não sob a sombra) do "Amor de Perdição" de Camilo. E assim, é particularmente interessante este acrescento mínimo ao título da obra que, não sendo condicionante, é já um motivo para o especial distanciamento que encontramos entre o livro e o filme: "Um Amor de Perdição".
Falando um pouco sobre esta transposição, e também não querendo explorar demasiadamente aquilo que pode ser do interesse de quem queira assistir ao filme, acho curioso que se tenha procurado mudar atitudes e demais defeitos e feitios que reconhecíamos nestas personagens Camilianas. Creio, no entanto, que isso teria de ser feito, mas não esperava esta radicalidade que quase transformou por completo algumas das personagens. Em primeiro lugar, Tomás Alves interpreta um excelente Simão Botelho, violento, conflituoso, sem olhar a meios para atingir os fins que pretende. Tem uma relação demasiadamente intimista com a sua irmã Rita Botelho (Patrícia Franco), de 13 ou 14 anos de idade, que o vai influenciar na leitura de um certo livro escolar chamado "Amor de Perdição"... Uma influência interessante que acaba por gerar uma história dentro da mesma história. Rita Botelho é um dos pontos fulcrais desta transposição: o filme e toda a história Camiliana é vista sob o seu ponto de vista, narrada num futuro próximo por ela, na voz de uma das melhores actrizes Portuguesas do momento, a Beatriz Batarda. Anda de olho no Zé Xavier (Willion Brandão é uma feliz surpresa deste filme), um rapaz da sua idade que trabalha para a família Botelho quase como um escravo, fiel servidor das mordomias de Domingos Botelho (Rui Morrison). Rita é uma agarrada à câmara de filmar, com a qual grava um jogo de basquetball onde Teresa Albuquerque joga numa das equipas, através do qual Simão vai ficar a conhecer a mulher que ama, usando Rita (e mais tarde Mariana da Cruz) para contactar com Teresa. Manuel Botelho (Rafael Morais), homossexual, sempre em rixa com o irmão Simão, tem uma relação extremamente afectuosa com a mãe Preciosa (Ana Padrão) que, por sua vez, anda em crise familiar com o marido. Simão e Teresa falam-se por telemóvel e assim constroem um amor proibido, fruto de uma guerra de longa data entre as famílias Albuquerque e Botelho. Refugia-se em casa de João da Cruz (Virgílio Castelo), mecânico de profissão, amigo do pai de Simão, ex-combatente na guerra de Angola, sofrendo agora noites de insónias pelas marcas dessa violência. Aqui conhece Mariana da Cruz (a sempre excelente Catarina Wallenstein), filha de João da Cruz, também mecânica de profissão, ajudante do seu pai. Mariana ama Simão e não esconde os seus sentimentos. Com Teresa no hospital psiquiátrico, será Mariana a estabelecer o contacto por recados, entre Teresa e Simão, ainda que sofrendo de morte, pela calada.
9 comentários:
Olááá,
Excelente o teu post. Intenso...
Nem vais acreditar... eu ia postar sobre esta estreia, tão ansiada por mim, mas depois de ler teu posto, declinarei. Estive 2 vezes o ano passado com umas pessoas muito especiais na Casa Camilo e confesso que foram minutos sorvidos com muita intensidade... Na secundária li duas vezes o livro (mas foi uma leitura imposta). Sinto-me agora compelida a mergulhar em mais esta versão de uma trama magistral "desenhada" por Camilo (tão venerado no Brasil). Grande parte do espólio literário do Camilo, repousa na Biblioteca Nacional do RJ. Quando estive na Casa Camilo, até pedi autorização para sentar-me naquela cadeira rota na Casa Camilo (quarto -garantiram-me que não havia sido desfeita no tal incêndio)... Um pouco circunspectra e taciturna, fechei os olhos, inspirei fundo por três vezes e juro-te que que foi difícil não conter a tal lagrimita escandalosa...
Como bem disse Camilo... "amou, perdeu-se, e morreu amando"...
Abreijos!
A Casa de Camilo é um excelente espaço, cheio de inspiração e de muita emoção. Facilmente nos sentimos intimidados pela sua presença tão marcada nos seus objectos pessoais como a cadeira, a escrivaninha, a pena, os livros...
É, de facto, uma experiência muito intensa quer se goste ou não de ler Camilo Castelo Branco.
Obrigado, querida Astrid, com beijinhos, do
Helder
p.s. esteja à vontade de postar sobre o filme. Depois dou um salto até à Asa de que é Dona. :)
Temos muito em comum... retratos das nossas vidas.
Abreijos e boa noite para ti!
como é k consegues ver o filme e estar atento a todos esses pormenores???
levas algum bloco para apontar ?
candida,
por acaso, não levo nenhum bloco nem nada com se lhe pareça. Os pormenores ficam todos na minha cabeça e faço-o porque gosto.
Mas agradeço a apreciação e vou tomar o comentário como um excelente elogio! :)
Obrigado, do
Helder
Helder Magalhães: um português com memória, com emoção, com talento e do qual tenho o imenso prazer de ser admiradora e fã.
Helder Magalhães: uma aposta de futuro... ;)
WOW!
Se o outro foi um excelente elogio, esse é dulpamente, triplamente, quádruplamente um excelente elogio!!
Obrigado pelo apoio!
Votem Helder Magalhães!! :D
beijos, do
Helder
Foi só elogiar que já resolveste meter o pé na poça... VOTAR EM TI, NUNCA! NUNQUINHA DA SILVA!!! kkkkk :)))))
Oh,
até parece que vou tirar o lugar a algum político...
Isso não é para mim!
:)
beijossssss, do
Helder
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