segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O CINEMA ESTÁ EM ALTA!, #2

Mais estreias nas nossas salas, a propósito da temporada febril que acompanha o Cinema. E assim, no seguimento do post anterior decido-me a vos expôr, fiéis leitores, aos restantes filmes estreadíssimos em Portugal.

"Slumdog Millionaire", em Português "Quem Quer Ser Bilionário?", é provávelmente o filme surpresa de 2008 (para nós é de 2009 mas não conta). Baseia-se no percurso de vida excessivamente atribulado de Jamal Malik, um jovem indiano, nascido pobre nas "favelas" da Índia - daí o cognome slumdog.
Concorre à versão Indiana do concurso "Quem Quer Ser Milionário?", não se sabe de ínicio o porquê, e acaba por ser preso e espancado por suspeita de batota quando, curiosamente, acerta em todas as perguntas do programa.
Somos transportados para o passado, não muito longínquo, e acompanhamos os passos de Jamal até à actualidade, por tudo o que viveu e sobreviveu até chegar ao concurso mais popular de toda a Índia. É estabelecido um paralelismo entre as perguntas sorteados e a sorte da vida de Jamal. Cada pergunta refere, curiosamente, a um específico momento do seu percurso de vida, que acompanhamos durante os sucessivos "flasbacks" enquanto Jamal está a ser interrogado pela polícia acerca do seu estranho sucesso com as perguntas.
Estranho, talvez possa parecer, mas no seio de uma comunidade indiana tudo tem a sua graça! Danny Boyle, sempre versátil na realização, com excelentes obras como "Millions", "The Beach", "Sunshine" e "Trainspoting", assina também este milionário das favelas, adaptado do livro de Vikas Swarup.
A música é excelente, ou não estaria nomeado para uma série de Óscars nessas categorias de banda sonora e música original. A fotografia, tons muito quentes e indianos, não se podia enquadrar melhor. Prémios? Talvez alguns. Depois dos Globos de Ouro e dos BAFTA a história pode muito bem repetir-se, se bem que os filmes alternativos, tal como o é este "Slumdog Millionaire", cada vez mais presentes na lista dos melhores do ano, não costumam ser reconhecidos pela Academia.
Para este vai a minha aposta, como melhor filme, pela originalidade, pela criatividade ("Quem Quer Ser Milionário?"!) e pelo genérico final do filme, curiosamente e nem de propósito, à musical de Bollywood. Mas será que a Academia Americana vai ceder à moda actual e premiar este filme?
A. Sim, ganha tudo!
B. Talvez ganhe 2 ou 3.
C. Não vai ganhar nada!
D. Não vi/Não faço ideia.


"A Troca", de Clint Eastwood, é o que considero ser o melhor filme de 2008 e tenho uma pena enorme que não esteja a concorrer nessa categoria. Se há injustiças nas nomeações, esta é concerteza uma delas, incompreensível!
O facto de "Changeling" estar ligado à realidade, de recriar uma história, de retratar pessoas e uma época que, efectivamente, existiu, faz que com que o espectador tenha uma ligação muito maior com o que está a ver. Estabelece relações entre aquela época retratada e a actual, entre as pessoas e os costumes. Há sempre a verdadeira noção de que o que estamos a assistir aconteceu numa outra altura, que não é ficção, mas sim a dura e crua realidade de um tempo, ainda que possa ser retratado com alguns elementos adicionais não históricos. Mas a certeza é mesmo essa! O espectador sente inevitavelmente uma conexão com o filme sempre que se trata de uma história com elementos reais e isso faz de "A Troca" um dos filmes mais emocionantes dos últimos anos. Porque se há um retrato que deixa o espectador num absoluto silêncio quando vê e acaba de ver, este filme é um deles. Consumidos por uma instrospecção que nos faz pensar em que mundo vivemos. "A Troca" não acaba por ser só um filme sobre rapto. É uma lição de vida aos mais diversos níveis, entre questões políticas e sociais. Uma guerra entre os fortes e poderosos e os fracos e oprimidos. Entre o governo e as pessoas.
Angelina Jolie interpreta Christine Collins, uma mãe exemplar que tudo faz para o bem do filho, Walter Collins. A 10 de Março de 1928, Christine Collins é chamada para substituir uma colega de trabalho que, inesperadamente, adoeceu. O compromisso de levar o filho ao cinema para ver o último filme de Charlie Chaplin leva Christine a ponderar na decisão, mas a escolha não pode ser outra senão deixar o filho em casa para responder aos compromissos de trabalho.
Ao regressar do emprego, bem mais tarde do que o esperado, o pesadelo e a luta de uma vida de Christine tomam início. Walter Collins, seu filho, desapareceu.
Por um lado, Christine faz de tudo para reaver o seu filho. Por outro lado, a políca de L.A., com má reputação, desacreditada e mal vista pelos cidadãos que serve, quase que procura arquitectar uma solução para o caso que tem em mãos para mostrar que, feitas as contas, não são assim tão maus a proteger os cidadãos. Incrível ou não, meses depois, Christine é abordada pela polícia, portadores da boa nova de que Walter Collins está vivo, que o encontraram e que vem a caminho de Los Angeles para a casa e para os braços da mãe. O reencontro é mais do que aguardado, jornalistas por todo o lado, flashes que procuram captar as primeiras impressões do reencontro entre mãe e filho. Tudo acontece como esperado, excepto para Christine que diz com veemência, assim que vê o suposto filho, "Este não é o meu filho!". São as palavras mais sofridas que se ouvem dizer ao longo do filme. Uma certeza concreta, de uma mãe que perdeu um filho e que rejeita o "filho" impingido pela polícia.
E assim somos assaltados por uma densidade de acontecimentos, cada um mais incrível que o outro, decorrentes do processo de Christine Collins. Ela continua a não aceitar o filho encontrado; o chefe da polícia convencendo-a que tudo aquilo não são mais do que meros truques mentais, dos quais foi vítima involuntáriamente ao ver o filho ser raptado; os médicos, contratados pela polícia, a apresentarem provas que justificam as diferenças físicas entre "os filhos" de Christine; e o Reverendo Gustav Briegleb (John Malkovich), que apoia e acredita incondicionalmente em Christine e na sua luta em encontrar o filho, que anuncia e difama a polícia todos os dias no seu programa de rádio local.
Entre tribunais, manicómios e psicópatas, o desenrolar de acontecimentos são, no mínimo, surpreendentes e praticamente inexplicáveis. Como que se estivessemos perante uma situação real, acreditassemos nela, mas incapazes de a resolver ou de ajudar na solução. É vermo-nos e sentirmo-nos pequenos, inúteis e sofridos pela penosa dor de Christine.
Um filme a ver e a aplaudir.


Gus Van Sant é, desde sempre, um realizador que eu admiro e aprecio particularmente. Não creio, apesar de tudo, que todos os seus filmes devam ser olhados da mesma maneira e que são sempre feitos com a mesma intenção. Assumir isso seria errado porque Gus Vant Sant tem, digo eu, duas, ou mais, vertentes distintas na sua filmografia. Ora nos aparece com filmes que deixam muito a desejar, ora nos brinda com uma série de excelentes filmes, como é o caso de "My Own Private Idaho", dos meu preferidos deste realizador, "Good Will Hunting", dos mais aclamados, "Elephant", que recria extraordináriamente o massacre numa Escola Secundária de Columbine, nos EUA, ou, até mesmo um dos mais recentes, "Paranoid Park", filme quase introspectivo e pessoal que teve a felicidade de ser reconhecido e apreciado por muito boa gente.
Este ano, Gus Van Sant surge entre a lista dos melhores com "Milk", um filme biográfico, sobre a vida e a luta de Harvey Milk, o primeiro Americano gay a ser eleito Supervisor (penso que será uma espécie de Vereador). "Milk" é assim um fascinante desenrolar de acontecimentos históricos, extremamente pegados à realidade, descritos com precisão, acompanhados com minúcia, o que ele fez e o que ele não fez, tudo está presente! Tal como referi, umas linhas atrás, o facto de estarmos perante um filme que recria um tempo, uma realidade e uma acção que, de facto, existiram e aconteceram com toda a certeza, faz com que o espectador estabeleça um contacto muito maior com a acção que assiste. E Gus Van Sant faz questão que isso mesmo aconteça e, por isso, faz uso, com bastante frequência, de excelentes imagens reais, recorrendo a arquivos de televisão e outros tais, inseridos estratégicamente ao longo do filme, sobre os mais diversos momentos das candidaturas revolucionárias de Harvey Milk.
Uma outra mais valia do filme centra-se na escolha das personagens intervenientes na vida de Milk. Não acaba por ser um filme exclusivamente dedicado à sua carreira política nem à sua luta desenfreada pelos direitos dos homossexuais. É também um filme sobre a sua vida como pessoa, como homossexual descrimidado pelos outros. Só assim seria possível estabelecer e explicar as razões que levaram Harvey a escolher uma luta para a vida inteira. Para além de Sean Penn, numas das mais brilhantes representações da sua carreira, vemos figuras ligadas à sua vida pessoal e outras ligadas à carreira profissional, incluindo Danny Nicoletta, actual fotógrafo profissional que começou a trabalhar nas campanhas de Harvey Milk, na altura com cerca de 20 anos. James Franco, no papel de Scott Smith, o grande amor da vida de Milk, Josh Brolin, no papel do temeroso adversário Dan White, Alison Pill, a astuta directora de campaha, também ela gay, escolhida a dedo por Harvey Milk e que muito vai fazer por ele, e a grande surpresa, uma vez mais, no jovem actor Emile Hirsch, um dos melhores da sua geração, no papel de Cleve Jones, jovem homossexual recrutado na rua por Milk e que mais tarde veio a juntar-se à sua campanha política.
Neste filme tudo funciona, nada é tomado com excessos, mérito não só de Gus Van Sant, mas também de Dustin Lance Black, autor do argumento orginal. Se Sean Penn perder o Óscar para Frank Langella em "Frost/Nixon", concerteza que "Milk" será, pelo menos, premiado pelo seu argumento. Dustin Lance Black é um jovem argumentista, de trinta e poucos anos, que também produziu este "Milk" e conta com bastante experiência em filmes dedicados à homossexualidade, como actor, realizador, argumentista, entre outros, uma vez que o próprio também o é (homossexual). Para quem viu o vídeo "making of" de "Milk", Dustin Lance Black afirma que Harvey Milk era o seu ídolo de infância e que ter a oportunidade de escrever este argumento em particular o fez muito feliz. Mas eu diria ainda mais. Fez-lhe feliz e fez com que o argumento fosse escrito com uma total dedicação e empenho que só vistos. Não haveria escolha mais acertada da parte de Gus Van Sant, sem dúvida alguma.
E, por isso mesmo, "Milk" é uma vitória absoluta como filme e Harvey Milk é uma vitória absoluta como defensor pela não descriminação dos gays. Foi uma batalha difícil, que não acabou da melhor forma, mas valeu a pena, porque agora termos esta história para contar...
Mais um a aplaudir.


Resta-me, assim, escrever um pouquinho acerca de "Doubt", o último filme que vi desta temporada dedicada aos galardões do Cinema. "Dúvida", assim se chama por cá, é um filme de John Patrick Shanley, quase estreante no cinema, mas veterano no palco. Quase tudo o que faz tem por base o teatro, desde a própria encenação às teleplays (peças encenadas para televisão), John Patrick decide trazer-nos esta "Dúvida" a partir, pois claro, de uma peça da sua autoria.
É um filme que tem por base o "tabu", onde o que se intende a dizer não é dito da forma mais directa. Os diálogos tentam ultrapassar essa barreira linguística e surgem, por isso mesmo, com uma profundidade e um sentido emocional acrescidos. Não se fala do que as coisas são nem do que se pretende saber, mas no contexto religioso, entre padres e freiras, não podia haver maior frieza em abordar questões como estas.
"Dúvida" é, acima de tudo, um filme sobre dúvida! Claro que não é a dúvida comum, das que temos diáriamente, duas e três vezes por dia. Aliás, será também um pouco dessas dúvidas, mas principalmente fala-se da Dúvida no verdadeiro sentido da palavra, como acto de fé nos momentos de isolamento e de solidão. A acção passa-se num colégio religioso, que acolhe crianças até à idade de seguirem para o Liceu. É maioritáriamente frequentado por crianças pré-adolescentes, 11 ou 12 anos, rapazes e raparigas, não com o objectivo de os incentivar na escolha de uma carreira ligada à religião, não um típico seminário para se formarem padres ou freiras. Pelo contrário, educação e respeito para com os superiores parece ser a máxima do colégio, tanto de alunos para professores como de professores para os seu respectivos superiores hierárquicos religiosos.
A trama desenvolve-se entre os três personagens principais, o Padre Flynn (Philip Seymour Hoffman), a Irmã Aloysius (Maryl Streep) e a Irmã James (Amy Adams). O que acontece é muito simples mas será capaz de dar aso a muita especulação e a muitas dúvidas que permanecem no ar do início ao fim! No decorrer de uma aula de História e Geografia, ensinada pela Irmã James, o Padre Flynn pede que chamem Donald Miller ao seu escritório, o primeiro miúdo negro a ser acolhido naquela escola e vítima de maus tratos tanto pelo pai, como pelos colegas da turma. Ao regressar, a Irmã James denota um ar extremamente triste, assustado e repreensivo em Donald que a deixam curiosa. Mais tarde, a acrescentar a curiosidade, a Irmã vê o Padre Flynn, durante uma aula de ginástica, a levar ao cacifo de Donald uma camisola interior do mesmo. A dúvida é assim despertada na Irmã James que, na sua mais perfeita inocência, decide contar o que viu à Irmã Aloysius, por ordem desta. A Irmã Aloysius, brilhante Maryl Streep, diga-se, é quem dirige grande parte das infracções dos alunos. Os castigos por ela deliberados são temidos ao mais alto nível e ninguém ousa em contrariá-la nas suas decisões. Uma convicção que a vai levar à mais profunda dúvida existencial. É irónico, mas ainda bem que assim é. Nisto, a Irmã Aloysius desenvolve um plano, procurando desvendar a verdade sobre o caso e condenar o culpado. E assim o Padre Flynn é enfrentado com as mais diversas provas, ainda que não muito convictas, sendo quase obrigado a responder e a justificar os seus actos.
A verdade é única: Dúvida é a posição constante que tomamos perante o filme. Há dúvidas entre os personagens; há desconfianças duvidosas em relação aos actos dos colegas; há dúvidas entre a veracidade ou falsidade das provas; e entre dúvidas e mais dúvidas, fica o espectador também em Dúvida porque nada é concreto e tudo tem uma margem para as devidas dúvidas!
Que seria então deste filme sem um brilhante conjunto de actores que, veja-se só, acabaram todos nomeados para as respectivas categorias, e com mérito! John Patrick Shanley é bom na realização, mas fiquei com a impressão que "Dúvida" seria excepcional em palco, melhor que em Cinema, sem dúvida (neste caso!). Em suma, mais um excelente filme que merece bem ser apreciado, ponderado em cada diálogo, em cada sermão do Padre Flynn, muito bem pensado, muito bem escrito e, acima de tudo, brilhantemente interpretado.
Amén.



1 comentário:

Renato_Seara disse...

Andas inspirado...confesso que ainda nao vi nenhum dos filmes em questao...mas caro Helder o cinema por esta altura anda sempre em alta porque os realizadores/produtores gostam muito de estrear filmes na altura das nomeaçoes para os oscares...

Em relacao aos filmes propriamente ditos:
Slumdog millionaire ha quem diga que e um filme muito bom mas tambem ja me avisaram que e telelixo...coisa que eu acho dificil que seja verdade dado o seu escelente realizador..A banda sonora e de facto engracada nao acho nada de outro mundo...mas pelos vistos assenta que nem uma luva ao filme...
Troca...sou confessadamente fa do Clint Eastwood quer como actor quer como realizador...nao deixa de ser engracado que a principal razao que vi os criticos darem para o facto deste filme nao ser candidato a vencer muitos premios deve-se a beleza da Angelina Jolie...lol preferiam uma actriz nao tao bela...vai se la perceber a mente dos criticos...
Os restantes dois filmes sobretudo o do Sean Penn sao ao que tudo indica optimos filmes que espero ver num futuro proximo...
Abraço