- Não posso dar pormenores, mas teve a ver com qualquer coisa nos olhos dele.
- Ah sim, você é muito sensível com os olhos... como o seu pai.
- Ele também? Não me lembro disso.
- Suponho que seja bastante natural para um artista preocupar-se com os olhos; mas nos últimos dez anos de vida, o seu pai tornou-se obcecado... sim, é a palavra: obcecado com a cegueira.
- Com a ideia dela?
- Não, não, com ficar cego. Estava certo de que lhe iria acontecer.
- Não sabia.
- O meu pai tentou meter-se com ele para lhe tirar a ideia e disse-lhe que, se não tivesse cuidado, arranjava uma cegueira histérica. Francisco ficou aterrorizado com a ideia - disse o Dr. Fernando. - Mas... Javier... estamos aqui para falar de si. Para mim, está a sofrer sintomas clássicos de stress.
(...)
- Todos sofremos - disse o Dr. Fernando. - Os espanhóis, e não apenas os sevilhanos, ultrapassam os problemas através de... la fiesta. Falamos, cantamos, dançamos, bebemos, rimos e fazemos a festa noite após noite. É a nossa maneira de lidar com a dor. Os nossos vizinhos, os portugueses, são muito diferentes.
- O seu estado natural é estarem deprimidos - comentou Falcón. - Cederam à condição humana.
- Não acho. São melancólicos por natureza, como os nossos galegos. Afinal de contas, têm de se confrontar quotidianamente com o Atlântico. Mas são muito sensuais também. É um país que cometeria suicídio se acabassem com o almoço. Adoram comer e beber e gozam a beleza das coisas.
(...)
in O Cego de Sevilha, de Robert Wilson
Publicações Dom Quixote
1 comentário:
Gostei! Eis um bom motivo para contrariar o Fernando Pessoa... :))))
Beijos, flores e estrelas *****
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