Ultimamente tem aparecido em algumas revistas e jornais alguns destaques e entrevistas a um novo realizador a propósito do seu último filme acabado de estrear nas salas de cinema portuguesas. Fala-se de James Gray e de "Two Lovers" - "Dois Amantes" - um saudável romance de teor dramático que em muito boa hora invade os nossos ecrãs ou não estaríamos nós a precisar de desenjoar de tanto blockbuster que por aí anda - ou não seria Verão, para que isso mesmo acontecesse. Mas, para não enveredar por esse caminho que, muito provavelmente, me levaria a referir o quão esmagados saem estes filmes quando estreados em simultâneo com obras medíocres como Harry Potter e o Príncipe Misterioso - um filme desinteressante, já sem graça, que não é mais que um desenrolar de acontecimentos sem ligação entre si, muito repetitivo e, pior de tudo, não faz justiça ao livro - ou outros filmes que só fazem sentido se estreados em televisão (telefilmes, portanto) como Hannah Montana: The Movie - que nada traz de novo à arte a não ser (muito) dinheiro para as produtoras e afins - o melhor é mesmo prosseguir ao que realmente aqui é preciso deixar bem claro.
James Gray nasceu em Nova Iorque (1969) e por lá se enquadram os seus filmes, ainda não muitos, mas certamente promissores. Ficou conhecido com o seu terceiro filme, "Nós Controlamos a Noite" ("We Own The Night" (2007)) em competição no Festival de Cannes que, além deste "Dois Amantes", foi o único a que assisti. Creio que não estejamos perante um autor ao nível de Paul Thomas Anderson ou mesmo Quentin Tarantino - repare-se que são todos da mesma geração - mas há que presentear, especialmente por este último filme, o trabalho que James Gray tem vindo a desenvolver como argumentista e realizador.
Ao que me tem vindo a parecer, Gray tem um particular cuidado com a música que se ouve ao longo do filme, não especificamente a Banda Sonora, mas principalmente aquela que interage directamente com a cena e com os actores. Quentin Tarantino também o faz, mas de uma forma ainda melhor que James Gray. Por um lado, Tarantino dirige uma cena que se destina a uma música; por outro lado, Gray escolhe uma música que se adequa - pelos instrumentos e pela voz - à cena que dirigiu. São formas de criação opostas mas ambas funcionam à sua maneira, se bem que eu me identifico mais com a cena a ser dirigida para uma música. Um excelente exemplo disso acontece precisamente em "Dois Amantes", onde James Gray, segundo li numa dessas entrevistas, precisava de uma música para uma cena num restaurante à beira-mar. Disse que um dia estava em Nova Iorque, num restaurante, e de repente ouve, em música ambiente, uma voz e umas guitarras que lhe chamam a atenção. Cantava a Amália Rodrigues o fado "Estranha Forma de Vida". Um feliz acaso que levou de imediato à escolha desse grande Fado para a cena no restaurante à beira-mar. O que diria desta cena - e esta é provavelmente a única crítica que faço - é que só seria melhor se James Gray conseguisse perceber o que é o Fado (o próprio disse que até então desconhecia este género musical), se percebesse o significado da palavra saudade e se soubesse/percebesse a nossa identidade como lusitanos. Aí sim, teríamos uma deslumbrante cena ao som de Amália. Acontece que, muito simplesmente, o fado quase passa despercebido aos ouvidos de muitos portugueses, sem sombra de dúvida. Não é mais do que uma mera música ambiente, bem lá ao fundo, espreitando de quando em vez uma reconfortante voz que grita "que estranha forma de vida"... A cena não tem o ritmo exigido pelo Fado, não tem a densidade da alma lusitana, mas no entanto acaba por funcionar razoavelmente bem em termos musicais. Temo que o desaproveitamento de um Fado com tanto sentido fique perdido pela cena à beira-mar e, sendo assim, não deixa de ser mais do que um mero preciosismo de enquadramento musical - mas bem sei que essa não era a intenção do realizador. O que mais haverá a referenciar, compete a cada um.
"Dois Amantes" retrata uma paixão e as muitas acrobacias que a envolvem, mas desde cedo que põe de parte a ideia de comédia romântica. É um drama e nada mais que isso. Parte de uma acção excessivamente real e com a qual muitos se identificam: desesperado da vida, sem perspectivas futuras e depois de um casamento muito dolorosamente acabado, Leonard Kraditor (Joaquin Phoenix), é apresentado a Sandra Cohen (Vanessa Shaw) uma jovem rapariga, apaixonada secretamente por Leonard e filha de um magnata das lavandarias nova-iorquinas, um negócio já partilhado pelo pai de Leonard. Um futuro entre os dois seria brilhante. Ela ama-o incondicionalmente e as empresas das famílas acabariam por se fundir, criando uma cadeia de lavandarias espalhadas por toda a idade de Nova Iorque. Os interesses começam a sobrepor-se aos sentimentos. Mas, tudo seria mais fácil se, num acaso (feliz), Leonard não travasse conhecimento com a sua vizinha Michellle (Gwyneth Paltrow), uma jovem e bela rapariga que alimenta uma preocupante relação com um homem casado. Ao aperceber-se das fragilidades da relação de Michelle, Lenoard não tarda com a sua investida para a conquistar, não querendo simultâneamente desfazer-se do amor que Sandra nutre por ele. E assim é "Dois Amantes", que na verdade são três, um quase inevitável triângulo amoroso onde Leonard se encontra bem no centro da acção. Só a ele cabe a decisão. Optar pelo que o coração sente ou pelo que é melhor para todos. E quanto a nós, cabe-nos esperar e deixarmo-nos envolver por uma bela história, bem filmada, bem dirigida, bem interpretada e de uma verdade profunda.
James Gray nasceu em Nova Iorque (1969) e por lá se enquadram os seus filmes, ainda não muitos, mas certamente promissores. Ficou conhecido com o seu terceiro filme, "Nós Controlamos a Noite" ("We Own The Night" (2007)) em competição no Festival de Cannes que, além deste "Dois Amantes", foi o único a que assisti. Creio que não estejamos perante um autor ao nível de Paul Thomas Anderson ou mesmo Quentin Tarantino - repare-se que são todos da mesma geração - mas há que presentear, especialmente por este último filme, o trabalho que James Gray tem vindo a desenvolver como argumentista e realizador.
Ao que me tem vindo a parecer, Gray tem um particular cuidado com a música que se ouve ao longo do filme, não especificamente a Banda Sonora, mas principalmente aquela que interage directamente com a cena e com os actores. Quentin Tarantino também o faz, mas de uma forma ainda melhor que James Gray. Por um lado, Tarantino dirige uma cena que se destina a uma música; por outro lado, Gray escolhe uma música que se adequa - pelos instrumentos e pela voz - à cena que dirigiu. São formas de criação opostas mas ambas funcionam à sua maneira, se bem que eu me identifico mais com a cena a ser dirigida para uma música. Um excelente exemplo disso acontece precisamente em "Dois Amantes", onde James Gray, segundo li numa dessas entrevistas, precisava de uma música para uma cena num restaurante à beira-mar. Disse que um dia estava em Nova Iorque, num restaurante, e de repente ouve, em música ambiente, uma voz e umas guitarras que lhe chamam a atenção. Cantava a Amália Rodrigues o fado "Estranha Forma de Vida". Um feliz acaso que levou de imediato à escolha desse grande Fado para a cena no restaurante à beira-mar. O que diria desta cena - e esta é provavelmente a única crítica que faço - é que só seria melhor se James Gray conseguisse perceber o que é o Fado (o próprio disse que até então desconhecia este género musical), se percebesse o significado da palavra saudade e se soubesse/percebesse a nossa identidade como lusitanos. Aí sim, teríamos uma deslumbrante cena ao som de Amália. Acontece que, muito simplesmente, o fado quase passa despercebido aos ouvidos de muitos portugueses, sem sombra de dúvida. Não é mais do que uma mera música ambiente, bem lá ao fundo, espreitando de quando em vez uma reconfortante voz que grita "que estranha forma de vida"... A cena não tem o ritmo exigido pelo Fado, não tem a densidade da alma lusitana, mas no entanto acaba por funcionar razoavelmente bem em termos musicais. Temo que o desaproveitamento de um Fado com tanto sentido fique perdido pela cena à beira-mar e, sendo assim, não deixa de ser mais do que um mero preciosismo de enquadramento musical - mas bem sei que essa não era a intenção do realizador. O que mais haverá a referenciar, compete a cada um.
"Dois Amantes" retrata uma paixão e as muitas acrobacias que a envolvem, mas desde cedo que põe de parte a ideia de comédia romântica. É um drama e nada mais que isso. Parte de uma acção excessivamente real e com a qual muitos se identificam: desesperado da vida, sem perspectivas futuras e depois de um casamento muito dolorosamente acabado, Leonard Kraditor (Joaquin Phoenix), é apresentado a Sandra Cohen (Vanessa Shaw) uma jovem rapariga, apaixonada secretamente por Leonard e filha de um magnata das lavandarias nova-iorquinas, um negócio já partilhado pelo pai de Leonard. Um futuro entre os dois seria brilhante. Ela ama-o incondicionalmente e as empresas das famílas acabariam por se fundir, criando uma cadeia de lavandarias espalhadas por toda a idade de Nova Iorque. Os interesses começam a sobrepor-se aos sentimentos. Mas, tudo seria mais fácil se, num acaso (feliz), Leonard não travasse conhecimento com a sua vizinha Michellle (Gwyneth Paltrow), uma jovem e bela rapariga que alimenta uma preocupante relação com um homem casado. Ao aperceber-se das fragilidades da relação de Michelle, Lenoard não tarda com a sua investida para a conquistar, não querendo simultâneamente desfazer-se do amor que Sandra nutre por ele. E assim é "Dois Amantes", que na verdade são três, um quase inevitável triângulo amoroso onde Leonard se encontra bem no centro da acção. Só a ele cabe a decisão. Optar pelo que o coração sente ou pelo que é melhor para todos. E quanto a nós, cabe-nos esperar e deixarmo-nos envolver por uma bela história, bem filmada, bem dirigida, bem interpretada e de uma verdade profunda.
3 comentários:
Pois p/ mim o fado encaixou-se perfeitamente naquela cena. Imagine-se na óptica do expectador que não conhece nada da língua portuguesa e cada vez percebe menos da imensa ambivalência de sentimentos presente naqueles personagens e na trama que desencadeia-se, enquanto ele assiste tudo passivamente diante do grande ecrã... (Leonard divide-se entre dois amores que não são iguais, quando ele nem tem consiciência se algum dia voltará a ser o Leonard de antes)... ele continua ali assistindo tudo passivamente... Repare apenas neste verso (Que estranha forma de vida, tem este meu coração: vive de forma perdida; quem lhe daria o condão? Que estranha forma de vida)... De certa forma, a realização do ideal romântico corresponde à negação da vida. Visto por esse ângulo, o amor é a antivida, pois em nome dele abandonamos tudo aquilo que até então era a nossa vida. (Vale aqui recordar da cena inicial...) No primeiro momento até podemos achar que estamos fazendo uma boa troca, mas rapidamente nos aborrecemos com o vazio deixado por essa renúncia à vida... Só por esse motivo é que acho que a escolha até que foi inteligente, embora o realizador reconheça que foi acidental... Fica aqui um "mistério" para ser desvendado... Nossa, viajei...
That's it...
Beijos, flores e estrelas *****
Viajaste, sim, e muito bem!
é uma boa perspectiva e, tal como disse, a Amalia foi mesmo um feliz acaso para o filme e para o realizador.
Obrigado pela apreciação!
Bjsss, do
Helder
Boa crítica. Concordo com a análise ao filme. Parabéns.
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