quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Firaga




Ardem, rubras, como olhos de paixão,
como sangue que esvai na imensa verticalidade.
O corpo em tecidos rasgados, doentes membranas
descompassadas da febril mentalidade
num sofrer, morrendo, de ilusão.

E instintos vêm, em consciencialização,
que vermelhos rosais em olhos meus crepitam.
As lágrimas líquidas no limiar explodindo,
estagnado na petrificação dos sentidos que agitam
a alma, desprovida de qualquer emoção.




do autor, etc.
Helder Magalhães

quarta-feira, 26 de novembro de 2008



Não ensombrarão a tua campa as árvores tristes dos cemitérios. As aves que passarem nos céus não baixarão a beber da água que as chuvas tiverem deixado na urna do teu mausoléu. A Lua, terna amiga dos mortos, não virá beijar por entre a rama negra dos ciprestes, a brancura da tua campa. O orvalho das madrugadas não chorará nas flores do teu jazigo. As abelhas não murmurarão em torno das rosas plantadas sobre o teu corpo. As borboletas brancas não adejarão no fluido de ti mesmo que pudesse romper do seio da terra para a luz da manhã no aroma dos jasmineiros e dos goivos.
(...)
E impelui em seguida para dentro da cova uma grande porção de terra amontoada aos seus pés. A terra desabou de chofre sobre o cadáver, levantando um som baço e mole.



excerto de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão
in O mistério da estrada de Sintra

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

WICKED, the Musical

Londres, 25 de Setembro de 2008.
Um dia que, além de memorável, acabou por ter um final excepcionalmente emocionante. Eram sete horas, de um final de tarde cansado e frio; mal adivinhava eu que arrepios me consumiriam naquelas horas seguintes. Entrava expectante, de bilhete na mão, e deliciava-me pelas inúmeras lojas de merchandise espalhadas por todo o foyer.



A entrada para a sala era ordeira apesar das mais de 2.000 pessoas que lá se encontravam, na sua maioria adolescentes, fotografando-se animadamente em conversas casuais. A surpresa em ver um cenário surgir à minha frente deixou-me de boca aberta pela sumptuosidade e pela imponência do que se erguia ao fundo da sala. Um majestoso cenário pormenorizadamente detalhado com inúmeras rodas dentadas, as escadas que se elevavam até ao topo, as eras ressequidas pelo tempo agarradas às paredes, lâmpadas aqui e acolá que iluminavam pontos singulares, a cortina desenhada por um mapa da Terra de Oz, onde bem ao centro brilhava de verde a esplendorosa Cidade Esmeralda e, a encimar toda esta estrutura, o Dragão do Tempo, com olhar de malvadez, a sobrevoar um público rejubilante, de garras afiadas e dentes raivosos e sedentos de morte.



A sala enchia a cada minuto que passava; aumentava o bulício, a inquietação, a expectativa em ver um dos musicais mais aclamados dos últimos tempos. Atrás de mim uma senhora dizia aos seus acompanhantes que estava extremamente excitada! «Este é o único musical sobre o qual não conheço nada.», dizia. «Só sei que conta a história das duas Bruxas de Oz.». «Eu também não. O que li sobre o musical não dizia mais do que isso; é interesssante e entusiasmante não saber de nada.», respondia-lhe um dos acompanhantes.

Vendiam-se os últimos manuais de leitura, os últimos gelados, as últimas bebidas; a orquestra afinava os instrumentos embutida no fosso que lhe era devido. Um compasso de espera; um silêncio de alguns segundos brotava debaixo do palco; anunciava-se que o espectáculo ia começar - «... turn off your cell phones please... » - ouviam-se os últimos tossir; as pessoas recostavam-se na cadeira à procura de um maior conforto.

E, mesmo antes de a luz se apagar, com toda a força e vigor, começou “No One Mourns The Wicked”. As luzes apagam-se, subtilmente, e o espectáculo começa.


Wicked é baseado na obra literária homónima de Greggory Maguire, um autor muito peculiar pelas suas recriações dos mundos literários infantis. É conhecido pelos seus embelezamentos e recriações mais adultas de mundos fantásticos como “Alice no País das Maravilhas” e “Branca de Neve e os Sete Anões”. “O Feiticeiro de Oz” não escapou e Maguire trouxe-nos uma história do fantástico onde explica a vida de Elphaba Thropp, descendente de uma família de respeitados Eminentes, que acaba por se tornar na Wicked Witch of the West (A Bruxa Má do Oeste), assumindo-se assim como uma prequela do grande clássico “The Wizard of Oz”.

Se o livro é surpreendente, o musical acaba por ser ainda mais. Não se pode esperar por uma adaptação a par e passo do que se lê. Wicked, o musical, tira o melhor partido do livro, pega no essencial, elimina o supérfluo; as músicas surgem naturalmente e não são impregnadas à força no contexto da cena. Os cenários alteram-se mecanicamente com uma subtilidade impressionante. Os actores, de renome, traçam com afinco a personagem que lhes é afecta. Uma orquestra competíssima brinda a cena com a maior das emoções.



“Wicked” começa brilhantemente, entre bailarinos e cantores, os Cidadãos de Oz, a louvarem a morte da Bruxa com “No One Mourns The Wicked”. O Dragão do Tempo, no topo do cenário, ganha vida e liberta um fumo cinzento pela boca e narinas – “onde há fumo, há fogo”, pensava eu –, uns seres aterrorizadores com asas (mais tarde apercebi-me que eram uma espécie de macacos voadores) desciam por cordas desde o topo até ao palco; invadiam as rodas dentadas, rodavam as roldanas e, ao som da música, o pano ergue-se revelando um cenário deslumbrante onde os Cidadãos de Oz gritavam as boas novas, anunciando a morte da Bruxa Má, que de resto é o final visto em “The Wizard of Oz”.

Como que a amenizar o ambiente, bem lá em cima, dentro de uma bolha, surge Glinda, a Fada Boa do Norte, a conselheira fiel dos Cidadãos. A pedido de muitos, Glinda conta o passado de Elphaba, na continuação da primeira cena musical, desde o seu atribulado nascimento até aos tempos em que passou a frequentar Shiz, a escola universitária de Oz. É nesta escola que Elphaba trava conhecimento com Galinda (futuramente Glinda) ao ser sua companheira de quarto; nesta situação, duas personagens de características e modos de vida totalmente distintos aprendem a conviver e a respeitar-se mutuamente, fazendo crescer uma amizade que terá as suas consenquências (bem gravosas) no futuro.



Mais do que mágico, Wicked transporta-nos para um mundo sem limites, «Unlimited. Together we’re unlimited» dizia Elphaba a Glinda. Um mundo fantástico e irreverente, de sonhos e encantos de esmeralda, onde «Everyone deserves a chance to Fly», dizia O Feiticeiro a Elphaba.

Na linha de acção de “Wicked”, destaque dado à abertura (já explicado) e às sucedentes cenas musicais com “The Wizard and I” – onde Elphaba expressa o sonho e a vontade em se encontrar com esse misterioso homem dito Feiticeiro –, “What is this Feeling” – a primeira cena que introduz as duas personagens Elphaba e Galinda no mesmo espaço – e “Popular” – de um divertimento excepcional, onde Galinda opta por tornar Elphaba numa rapariga atraente e popular em Shiz. Até ao final do Acto I, toda a sequência de músicas são deslumbrantes, salientando “I’m not that Girl” e “One Short Day” – a viagem à Cidade Esmeralda das duas amigas para se encontrarem com o Feticeiro.

Este Acto I é terminado com uma das mais emocionantes cenas que alguma vez vi em palco, fantásticamente orquestrado, um desafiar da gravidade como nunca. Elphaba procura uma fuga possível das garras maliciosas do Feiticeiro que não hesita em ordenar a sua prisão para seu prórpio benefício; no “Grimário” vem essa possível solução, com Glinda (antes Galinda) ao seu lado, pressionadas num beco qualquer de Oz, a guarda do Palácio vibrante e ofensiva e Madame Morrible, interesseira e mesquinha, espalhando pela Cidade a malvadez de Elphaba, ainda que injustamente. Apressada e com medo, Elphaba coloca as suas esperanças numa velha vassoura que a fará voar para bem longe do Feiticeiro e da sua poderosa brigada.

“Defying Gravity” surge imponente, assombrosa, arrepiante, emocionante, mágica, de se ficar sem fôlego, consumidos por um estrondoso e astronómico sobrevoar, pois todos merecemos essa oportunidade, segundo o Feiticeiro – é mesmo caso para dizer que o feitiço se virou contra o Feiticeiro.

Repare-se na despedida das duas amigas, desenjando felicidades mutuas, na esperança de um reencontro futuro; Glinda que coloca um velho trapo negro à volta de Elphaba para não tremer e Elphaba eleva-se, a capa a esvoaçar, cobrindo todo o cenário, em direcção a um topo, sem limites.

A explosão de aplausos é inevitável.

Gritos de excitação, “Bravos” de entusiasmo.



No segundo Acto, “Wicked” traz novos ambientes, novos cenários e novos ânimos. A acção é mais tenebrosa, os Cidadãos de Oz odeiam injustamente a Bruxa; Nessarose, irmã de Elphaba sobe ao trono como Eminente Thropp, de carácter severo, injusto, apelidada de Bruxa Má do Este. Apesar de tudo, não se deixará de referir a importância que Fiyero tem na vida de Elphaba, que o ama mas não quer deixar transparecer, por amizade a Glinda.

Fiyero acaba por ser detido sob ordens do Feiticeiro, tocando no coração de Elphaba; sente-se angustiada, quer chegar até ele, salvá-lo, mas em vão. “No Good Deed” revela-se como a cena mais surpreendente deste Acto, entre magias negras, proferidas sob um cenário tenebroso, de fumos e azuis de meia-noite-no-cemitério, eleva-se Elphaba e eleva-se o Grimário.

Tiram-lhe o que mais falta lhe faz e Elphaba admite-se como Wicked, Malvada, disposta a enfrentar tudo e todos para reaver quem ama. «I’m WICKED, through and through, since I cannot succeed, Fiyero saving you I promise no good deed».



A interação com “O Feiticeiro de Oz” é bastante evidente, interligando-se estas duas histórias quando uma tempestade atinge Oz e Dorothy, acompanhada do irritante cãozinho, cai com a casa em cima de Nessarose, irmã de Elphaba; As histórias cruzam-se mas, tudo o que se vê n’ “O Feiticeiro de Oz” é agora acompanhado sobre o ponto de vista da Bruxa e não de Dorothy na sua demanda até à Cidade Esmeralda.

Como Wicked acaba já todos o sabemos:

«Water will melt her» balbuciava-se por toda a Terra de Oz…
















Wicked está em cena no Apollo Victoria Theatre, em Londres, desde 2006 e já arrecadou inúmeros prémios, incluindo Emmy e Grammy Awards, sendo actualmente considerado o “Espectáculo Nº1 de Londres”.












De Terça - feira a Domingo às 19.30h; Quarta-feira às 14.30h e 19.30h.

Mais informações em www.wickedthemusical.co.uk


domingo, 9 de novembro de 2008

a r t e

O artista é o criador de coisas belas.
O objectivo da arte é revelar a arte e ocultar o artista.
O crítico é aquele que sabe traduzir de outro modo ou para um novo
material a sua impressão das coisas belas.
A mais elevada, tal como a mais rasteira, forma de crítica é um modo de
autobiografia.
Os que encontram significações torpes nas coisas belas são corruptos
sem sedução, o que é um defeito.
Os que encontram significações belas nas coisas belas são os cultos,
Para esses há esperança.
Eleitos são aqueles para quem as coisas belas apenas significam Beleza.
Um livro moral ou imoral é coisa que não existe. Os livros são bem
escritos, ou mal escritos. E é tudo.
A aversão do século XIX pelo Realismo é a fúria de Caliban ao ver a sua
cara ao espelho.
A aversão do século XIX pelo Romantismo é a queixa de Caliban por não
ver a sua cara ao espelho.
A vida moral do homem faz parte dos temas tratados pelo artista, mas a
moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito. Nenhum
artista quer demonstrar coisa alguma. Até as verdades podem ser
demonstradas.
Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é
um maneirismo de estilo imperdoável.
Um artista nunca é mórbido. O artista pode exprimir tudo.
Sob o ponto de vista da forma, a arte do músico é o modelo de todas as
artes. Sob o ponto de vista do sentimento, é a profissão de actor o modelo.
Toda a arte é, ao mesmo tempo, superfície e símbolo. Os que penetram
para além da superfície, fazem-no a expensas suas. Os que lêem o símbolo, fazem-no a expensas suas.
O que a arte realmente espelha é o espectador, não a vida.
A diversidade de opiniões sobre uma obra de arte revela que a obra é
nova, complexa e vital.
Quando os críticos divergem, o artista está em consonância consigo
mesmo.
Podemos perdoar a um homem que faça alguma coisa útil, contanto que
a não admire. A única justificação para uma coisa inútil é que ela seja
profundamente admirada.
Toda a arte é completamente inútil.


Oscar Wilde
in The picture of Dorian Gray

domingo, 2 de novembro de 2008

TELL THEM HOW I AM DEFYING GRAVITY

So if you care to find me
Look to the western sky!
As someone told me lately:
"Ev'ryone deserves the chance to fly!"

And nobody in all of Oz
No Wizard that there is or was
Is ever gonna bring me down!





NO GOOD DEED GOES UNPUNISHED

All right, enough - so be it
So be it, then:
Let all Oz be agreed
I'm wicked through and through
Since I can not succeed
Fiyero, saving you
I promise no good deed
Will I attempt to do again
Ever again
No good deed
Will I do again!