segunda-feira, 24 de maio de 2010

D de solidão

Se há tormento que me ocupa a mente, se há medo que me consome o corpo ou suplício que vagueia quem sou, então esse tormento, medo ou suplício só tem um nome, o nome da solidão. No singular, é a saudade; no plural, são os violinos uníssonos mesclados com as teclas compridas de um piano que me fazem recordar-te a preto e branco. É a voz límpida e cristalina que sobressai, rezando um cântico judaico moribundo que chora quem um dia foste; e são os sons graves que me tocam no fundo de um coração que há muito já não existe, gasto por alimentar a nossa condição. É a música que daqui nasce e floresce; e são as lágrimas pesadas de sentimentos, receosas por te ver uma vez mais e dizer-te que ainda te desejo.


Mas aceito o fim. Aquele que impuseste. E porque assim o quiseste, inconsciente.

J.L.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

CINEMA: The Thin Red Line / Barreira Invisível

por Helder Magalhães

Em 1962, James Jones remonta aos seus tempos de soldado e publica The Thin Red Line, uma obra singular que viria a ser um dos seus mais conhecidos romances; demasiadamente verdadeiros e inspirados no que experienciou, este, em particular, foi adaptado por duas vezes em cinema, nos anos de 1964 e 1998.
Na década de 60 o cinema centralizou-se na Europa, entre Godard e Truffaut, o novo cinema de rua e de carácter independente traduzia-se num certo liberalismo que os americanos dificilmente compreendiam. É neste contexto de incerteza que surge a primeira adaptação de The Thin Red Line que não ficou indiferente à crise instalada. Transparece uma certa rigidez nos planos, como se houvesse uma fórmula de criatividade; um filme de linhas rectas e que não dá azo a muitas conjecturas, mas The Thin Red Line de Andrew Marton é uma adaptação muito coerente, realista e fiel do romance.
Quase 35 anos depois, Terrence Malick filma um novo The Thin Red Line. A seu jeito, Malick traz-nos uma Barreira Invisível quase metafísica. O relato da batalha de Guadalcanal ganha uma forma pesarosa, talvez influenciada pela introspecção narrativa, onde as palavras e as frases têm uma densidade desmedida. O filme é dotado de uma sensibilidade inigualável, a cinematografia é igualmente espantosa e a banda sonora é sublime.

A origem de uma história

James Jones (1921 - 1977), nascido e criado no Estado de Illinois, alistou-se no Exército Norte Americano em 1939, tendo servido o país antes e durante a II Guerra, onde, particularmente, combateu na afamada (dadas as adversidades ambientais) batalha de Guadalcanal, contra o exército Japonês. Foi a sua experiência no campo de batalha e o gosto pela literatura que o inspiraram a escrever um conjunto de romances que, no fundo, discutiam a alteração das capacidades físicas e mentais do ser humano, quando exposto à Guerra.
O primeiro livro, que se revelou uma das suas obras-primas (vencedor do National Book Award em 1952 e listado entre as 100 melhores obras literárias do séc. XX), Até à Eternidade (From Here to Eternity), de 1951, partia do ataque japonês em Pearl Harbor, testemunhado por James Jones em pessoa; mais tarde, o romance teria uma adaptação cinematográfica (1953) e duas adaptações televisivas (em 1979 e 1980).
Mas foi em 1962, e após de uma tentativa falhada de publicação de uma autobiografia, que James Jones remonta aos seus tempos de soldado e publica The Thin Red Line, uma história de sobrevivência e companheirismo, directamente influenciada pela batalha na ilha de Guadalcanal. Na verdade, The Thin Red Line (ou, na tradução, Barreira Invisível), reporta metaforicamente à frente militar usualmente composta por escassos soldados, mas que se mantinham firmes perante as forças militares atacantes. Efectivamente, este viria a ser um dos mais conhecidos romances do autor, demasiadamente verdadeiros e inspirados no que experienciou, tendo sido adaptado por duas vezes em cinema, em 1964 e em 1998. A primeira dessas adaptações, sob realização de Andrew Marton, embora siga um conjunto de cânones e academismos cinematográficos, consegue transmitir uma série de valores, digamos, muito pouco usuais para aquela década - muito se deve, creio eu, à singularidade do livro de James Jones e pela narrativa introspectiva que deixa transparecer.

A década de 60 no cinema americano
O certo é que na década de 60 o cinema virou-se muito para o que a Europa produzia. Dividido entre os Godards e os Truffauts, o novo cinema de rua e de carácter independente traduzia-se num certo liberalismo (e experimentalismo) que os americanos dificilmente compreendiam e, salvo raras excepções (veja-se o caso de O Doutor Estranhoamor, de Stanley Kubrick, igualmente estreado em 1964), o cinema americano dessa época perdeu alguma força de estilo e de criatividade. Na verdade, o ano de 1963 acabou por ficar marcado na história como o pior ano de estreias americanas, com apenas 121 filmes; além disso, terá sido precisamente em 1964 que o número de estreias de filmes estrangeiros (361) ultrapassou o número de produções americanas (161), nos Estado Unidos. Filmes como Cleopatra (1963), de Joseph L. Mankiewicz, revelou-se um verdadeiro falhanço nas bilheteiras, muitos estúdios tiveram de ser vendidos e reconvertidos em supermercados e centros comerciais, dezenas de artefactos que outrora perteceram às grandes estrelas de cinema foram leiloados e, numa réstia de esperança, o Hollywood Walk of Fame (Passeio da Fama) foi inaugurado. Foram, de facto, números excessivamente alarmantes e reveladores dos tempos de dificuldade que a indústria estava a passar. Por isso, grande parte dos estúdios optaram por investir em produções televisivas (independentes e mais enconómicas) e em reduzir custos de produção dos filmes, principalmente por mover equipas de produção para Inglaterra, onde já seriam capazes de produzir filmes de grande orçamento, mas com custos de produção incrivelmente mais baixos. A tática mostraria ser um sucesso e, com isso, surgem belíssimos filmes como Lawrence da Arábia e O Doutor Jivago, em 1962 e 1965, respectivamente, ambos realizados pelo britânico David Lean.

The Thin Red Line: 1964, 1998, 2010
É neste contexto de incerteza que surge a primeira adaptação de The Thin Red Line que não ficou indiferente à crise instalada. As dificuldades são visíveis, o orçamento é baixíssimo, pois a produção é independente, mas com qualidade. Também transparece uma certa rigidez nos planos, como se houvesse uma fórmula de criatividade; um filme de linhas rectas e que não dá azo a muitas conjecturas - um facto que, no entanto, pode não ser tão bem visto tendo por base a história de James Jones -, mas acredito que The Thin Red Line de Andrew Marton seja uma adaptação muito coerente, realista e fiel do romance. O trato feito aos soldados, ao seu subconsciente, ainda que por vezes de forma muito linear, consegue abordar em toda a sua transversalidade temas como a morte, o vazio, o medo, a frustração, o terror, a homossexualidade... enfim, um filme realmente notável que conseguiu contornar as dificuldades da época ao fundir-se com uma extraordinária história que merecia ser mostrada.

Quase 35 anos depois, Terrence Malick, curiosamente natural de Illinois (à semelhança de James Jones), filma um novo The Thin Red Line. Malick é um exímio realizador, perspicaz e perscutador, com uma filmografia muito própria e selecta (e, por isso, pequena).
As circunstâncias em que ambos os filmes surgem são incomparáveis (repare-se no elenco), embora também o sucesso desta adaptação tivesse sido condicionada com a estreia de blockbusters. Contudo, a história continua a ser de James Jones, indiscutivelmente marcante, mas a sensibilidade de Terrence Malick não podia ser mais evidente. A seu jeito, Malick traz-nos uma Barreira Invisível quase metafísica. Extremamente ponderado e de ritmo compassado, o grupo de soldados da Companhia C é visto de uma perspectiva completamente diferente do que nos é comum em filmes do mesmo género. O relato da batalha de Guadalcanal ganha uma forma pesarosa, talvez influenciada pela introspecção narrativa, onde as palavras e as frases têm uma densidade desmedida. Da mesma forma, somos atravessados por um conjunto de acções que facultam reacções distintas em cada um dos soldados: o medo, o terror, a morte, a insanidade...
O filme é dotado de uma sensibilidade inigualável e que só seria atingível sob direcção de Terrence Malick. A cinematografia é igualmente espantosa, pormenorizada, de olhar fixo e definido; e a colmatar, a sublime banda sonora de Hans Zimmer.

Actualmente, com a comemoração dos 65 anos do final da II Guerra Mundial, o tema tem vindo a ser cada vez mais discutido, não só no cinema, mas principalmente em documentários e séries televisivas. O melhor exemplo disso está na recente mini-série The Pacific, produzida por Steven Spielberg e por Tom Hanks, estabelecendo um paralelismo com um trabalho (igualmente televisivo) que ambos tinham feito há 9 anos atrás: Band of Brothers.
The Thin Red Line e The Pacific cruzam-se na batalha de Guadalcanal, apenas comparável à batalha defrontada em Bastogne, anteriormente vista em Band of Brothers. É quase um ciclo vicioso e a II Guerra Mundial consegue alimentar esse ciclo pelas inúmeras histórias já contadas e pelas que ainda estão por contar. As bravuras devem ser reconhecidas, mas também não devemos esquecer todo um lado atroz e dilacerante, quase desumano, proprcionado por batalhas como estas. É neste núcleo de emoções que se erguem as obra de James Jones, de Andrew Marton e de Terrence Malick e é também neste núcleo que se criam outras obras como The Pacific e Band of Brothers.

domingo, 9 de maio de 2010

FOTOGRAMA vs. FOTOGRAFIA #3


Fotograma do filme "The Imaginarium of Doctor Parnassus" (2009), com direcção de Terry Gilliam, uma obra bastante curiosa e que muito deixa transparecer o insólito e o absurdo dos Monty Pyton, numa Londres híbrida, dividida entre o medieval e o contemporâneo.



Fotografia de Helder Magalhães, Londres, 2008.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

One short day...


"I am the Guardian of the Gates and since you demand to see the Great Oz I must take you to his palace. But first you must put on the spectacles."

"Why?" asked Dorothy.

"Because if you did not wear spectacles the brightness and the glory of the Emerald City would blind you. Even those who live in the City must wear spectacles night and day. They are all locked on, for Oz so ordered it when the City was first built, and I have the only key that will unlock them."

L. Frank Baum
in The Wonderful Wizard of Oz